domingo, 3 de agosto de 2025

A LENDA DO JUTTE DE KURODA: O DEFENSOR DE KYOTO


No ano de 1615, durante os últimos dias do Cerco de Osaka, quando as forças do Xogunato Tokugawa combatiam os remanescentes leais ao Clã Toyotomi, um lendário oficial policial conhecido como Kuroda Tetsuo entrou para a história por seu uso magistral do Jutte em batalha.
O INCIDENTE NA PONTE GOJŌ
Enquanto as tropas de Tokugawa Ieyasu avançavam sobre o Castelo de Osaka, um grupo de samurais rebeldes tentou infiltrar-se em Kyoto para assassinar aliados do xogunato. Kuroda, um Yoriki (oficial de polícia) sob o comando do magistrado Matsudaira Nobutsuna, foi incumbido de proteger a Ponte Gojō, uma rota crucial para a capital.
Na noite de 3 de junho de 1615, cinco guerreiros veteranos do Clã Toyotomi, liderados pelo espadachim Fujita Gorō, atacaram o posto de guarda. Armados com katanas e naginatas, eles esperavam eliminar rapidamente os oficiais presentes e prosseguir para seu alvo. No entanto, Kuroda, portando apenas seu Jutte, enfrentou-os sozinho enquanto seus subordinados corriam para reforçar as defesas.
O DUELO DO JUTTE CONTRA A KATANA
Fujita, confiante em sua habilidade com a espada, atacou Kuroda com um golpe vertical poderoso (Shōmenuchi kiri). Usando o Kagi (gancho) do Jutte, Kuroda desviou e prendeu a lâmina, torcendo-a com um movimento brusco que quase quebrou a espada. Enquanto Fujita lutava para recuperar o controle, Kuroda golpeou seu pulso com a haste do Jutte, fazendo-o soltar a arma.
Os outros quatro samurais avançaram, mas Kuroda usou o terreno estreito da ponte a seu favor. Com movimentos rápidos, ele agarrou a Naginata de um oponente com o Jutte, puxou o guerreiro para frente e o derrubou com um golpe no joelho. Outro atacante foi neutralizado quando Kuroda usou o gancho para enroscar-se em seu obi (faixa em volta da cintura, mas não igual ao que é atualmente) e desequilibrá-lo, arremessando-o contra o chão.
O FIM DA BATALHA E O LEGADO
Quando reforços chegaram, os samurais restantes fugiram, mas Fujita, humilhado, sacou um tanto (faca) e investiu contra Kuroda em um ataque desesperado. Com um último movimento preciso, Kuroda bloqueou a faca com o Jutte e acertou um golpe na têmpora de Fujita, deixando-o inconsciente.
A notícia do Yoriki que derrotou cinco samurais com um Jutte espalhou-se rapidamente. Kuroda foi condecorado pelo xogum Tokugawa Hidetada e sua técnica de Jutte-Jutsu foi incorporada ao treinamento policial. Dizem que, até hoje, no Museu Histórico de Kyoto, o Jutte de Kuroda é exibido como símbolo de coragem e habilidade.
Moral da História:
"Nem sempre a arma mais mortífera vence, mas sim a mão que a maneja com sabedoria."

O JUTTE (十手): A ARMA DAS AUTORIDADES DO PERÍODO EDO

 


O Jutte (十手), cujo nome significa literalmente "Dez Mãos" em japonês, é uma arma tradicional que simbolizava o aumento do poder de seu portador—como se suas capacidades de combate fossem multiplicadas por dez. Essa arma era amplamente utilizada pelos Yoriki (与力) e Doshin (同心), oficiais de polícia durante o Período Edo (1603-1868), quando o Japão vivia sob o governo estável do Xogunato Tokugawa.

ORIGENS E EVOLUÇÃO DO JUTTE

Alguns historiadores acreditam que o Jutte tenha se originado do Kabutowari (兜割), uma ferramenta de guerra medieval usada para romper capacetes (kabuto) durante o combate. No entanto, com o estabelecimento da paz no Período Edo, muitas armas samurais foram adaptadas para funções policiais, visando subjugar criminosos sem matá-los.

O Jutte, em sua forma mais comum, media cerca de 45 cm de comprimento, não possuía fio cortante e contava com um gancho curvo (Kagi - 鉤) de aproximadamente 5 cm, que se estendia a partir da guarda. Esse gancho permitia que os policiais bloqueassem e quebrassem lâminas de espadas, além de ser usado para agarrar as vestes ou membros de um suspeito, facilitando sua imobilização.

O JUTTE COMO SÍMBOLO DE AUTORIDADE

Com o fim dos grandes conflitos armados, muitos samurais tornaram-se ronins (samurais sem mestres) e foram recrutados para as forças policiais. O Jutte, assim como outras armas não letais, tornou-se um símbolo de status para esses oficiais, representando sua função de manter a ordem sem necessidade de violência excessiva.

Além do Jutte, outras armas especializadas em captura eram utilizadas, como:

Kumade (熊手): Um tipo de gancho ou ancinho usado para enganchar e imobilizar.

Sasumata (刺叉): Um tridente destinado a prender membros do corpo.

Sode-Garami (袖絡): Uma haste com ganchos para emaranhar as mangas (sode) do oponente.

Hashigo (梯子): Uma escada adaptada para imobilização.

O USO DO JUTTE PELOS NINJAS

Curiosamente, o Jutte também foi adotado por ninjas, que viam nele uma ferramenta versátil para capturar alvos sem feri-los gravemente. Sua eficácia em desarmar oponentes e controlar movimentos o tornava ideal para missões que exigiam subjugação discreta.

LEGADO DO JUTTE

Hoje, o Jutte é estudado em algumas escolas de Kobudō (artes marciais de armas tradicionais) e permanece como um símbolo do sistema policial do Período Edo, refletindo uma era em que a ordem social era mantida com técnicas de controle não letal.

Sua influência histórica demonstra como as armas japonesas evoluíram de instrumentos de guerra para ferramentas de justiça e autoridade.